Como o Brasil está usando a educação, tecnologia e política para salvar suas florestas
Mauro Lúcio está vivendo um sonho. Tendo começado na atividade de pecuária como um trabalhador de fazenda de gado aos 16 anos, ele tem agora 48 anos e cria gado em uma área de 50 quilômetros quadrados no município de Paragominas, no Estado do Pará. Os animais em sua fazenda são saudáveis, a grama é espessa e as cercas são sólidas. Ao longo das ruas em sua propriedade, postes de madeira nomeiam as muitas diferentes variedades de árvores que ele plantou entre os campos.
A única coisa que não é ideal sobre a propriedade de Lúcio é sua história. Cerca de dez anos atrás, ela fazia parte da floresta tropical. As maiores árvores, de até 30 metros de altura, foram vendidas para uso da madeira e o resto, queimado. Dessa maneira, o Brasil perdeu cerca de 19% de sua floresta amazônica. E o Brasil compõe cerca de 63% da região amazônica.
Acredita-se que metade das espécies de plantas e animais do mundo vivem na floresta, de forma que destruí-la é uma maneira de acabar com grandes áreas de biodiversidade. As espécies são colocadas em risco não somente quando a floresta é queimada, mas também, quando o desmatamento deixa a floresta restante em fragmentos cada vez menores.
Um estudo conduzido durante três décadas pelo cientista americano Thomas Lovejoy, mostra que as espécies morrem quando a floresta se torna cada vez mais fragmentada, parcialmente porque ela seca e parcialmente porque algumas espécies são privadas do alcance que precisam para sobreviver.
Até recentemente, queimar o solo seria uma prática normal para Lucio, por ocupar seu rancho há alguns anos, quando a produtividade caía – como tende a acontecer no solo da floresta. Porém, Lucio não tem mais planos de fazer isso, nem os outros produtores em Paragominas. Queimar a floresta, além de ser ilegal, também se tornou socialmente inaceitável. Lucio está focado em aumentar sua renda, não explorando mais terra, mas aumentando a produtividade de sua fazenda.
Quando Luiz Inácio Lula da Silva se tornou presidente em 2003, seu governo, sob pressão da opinião pública e dos estrangeiros, posicionou-se contra o desmatamento. A partir de 2003, sua ministra do meio-ambiente, Marina Silva, começou a fornecer uma maior proteção à terra na Amazônia e reforçou a política ambiental federal, no Ibama. Centros de extração ilegal de madeira, como Paragominas, foram colocados na lista negra.
Lula teve grande ajuda de uma combinação de sensoriamento remoto e uma ONG brasileira, a Imazon. A agência espacial do Brasil publica imagens do desmatamento, mas somente em uma base anual, quase um ano em retrospecto e sem um mapa, de forma que ninguém sabe exatamente onde as árvores estão sendo desmatadas. Beto Verissimo, que fundou o Imazon para usar a ciência para beneficiar a floresta, percebeu que o satélite Modis, da NASA, coletava dados que poderiam ser publicados mensalmente e também mostrariam onde estavam sendo feitos os danos. Em 2007, o Imazon começou a processar os dados da NASA e publicá-los dentro de poucas semanas após serem coletados.
Parcialmente, devido ao aumento da prosperidade e devido à atenção internacional, os brasileiros ficaram mais interessados no destino da Amazônia. Os jornais começaram a colocar dados do Imazon na primeira página. Os governos estaduais precisaram responder a eles em programas de notícias nacionais. Mês após mês, o Mato Grosso e o Pará mostravam as mais altas taxas de desmatamento.
Em 2008, o governo aumentou a pressão, publicando uma lista de 36 municipalidades com os piores registros. Dezessete deles, incluindo Paragominas, estavam no Estado do Pará. Estar na lista negra não somente trouxe humilhação pública aos cidadãos de Paragominas, mas também, atingiu seus bolsos. Os negócios nas cidades da lista não eram mais selecionados para créditos baratos de bancos estatais.
O prefeito de Paragominas, Adnan Demachki, viu que o boicote do Greenpeace à soja produzida pelas propriedades da Amazônia estavam atingindo os produtores de soja de Mato Grosso e percebeu que algo similar aconteceria aos produtores de carne bovina do Pará. Ele fez discursos a grupos locais para persuadi-los de que o desmatamento tinha que parar.
O promotor público federal do Pará, Daniel Avelino, rastreou a cadeia de fornecimento dos supermercados, das companhias de carne bovina até os produtores, para descobrir quais animais tinham sido produzidos em terras desmatadas ilegalmente e ameaçou os supermercados com um processo. Eles reagiram rápido, disse Avelino. Era sobre sua marca, sua visibilidade ao público. A associação de supermercados do Brasil – que incluía Walmart e Carrefour – disse que seus membros parariam de comprar carne bovina de terras desmatadas recentemente.
Isso tornou Avelino extremamente impopular. Ele recebeu ameaças de morte e ainda viaja com guardas armados, mas ele não estava sozinho na aplicação dessa pressão econômica. A Corporação Internacional de Finanças, o braço financeiro privado do Banco Mundial, retirou um empréstimo que tinha prometido ao Bertin, grande produtor de carne bovina, para expandir suas instalações na Amazônia.
Demachki persuadiu as associações comerciais locais a se comprometerem a parar com o desmatamento. Em abril de 2008, ele multou três produtores rurais que ainda estavam fazendo isso. Em outubro de 2008, ele foi reeleito com 88% dos votos. Porém, nem todos gostavam do que estava acontecendo e as coisas chegaram a um ponto em que, em uma noite de novembro, a estação da polícia ambiental foi incendiada.
Desde então, o desmatamento na municipalidade praticamente parou e Paragominas se tornou uma cidade modelo. A cidade tem um Lago Verde, um Estádio Verde e um Parque Verde no centro. Um museu construído com madeira extraída ilegalmente e confiscada mostra, com admirável neutralidade, como Paragominas realizou essa reversão no desmatamento. Desde os anos 60, dois quintos da municipalidade foram desmatados. O plano é para 15% da área desmatada voltar a ter floresta, e metade do resto ser deixado para produção pecuária e metade para produção agrícola.
Em 2011, Simão Jatene, governador recentemente eleito do Pará, decidiu replicar as conquistas de Paragominas em todo o Estado. No centro desse esforço esteve o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o registro rural ambiental. As incertezas sobre a posse da terra é um grande obstáculo administrativo no Brasil. Alguns produtores rurais não têm o título da terra onde produzem; alguns dão dinheiro às pessoas cujos nomes estão no registro das terras, conhecidas como laranjas, de forma que os verdadeiros donos não são responsabilizados pelo desmatamento. Se você tem um radar para multar alta velocidade, mas os carros não têm placas, é inútil, disse Avelino. Ao invés de tentar mergulhar na história de cada pedaço de terra, os governos dos estados de Mato Grosso e Pará estão tentando fazer com que os produtores rurais solicitem o certificado CAR de forma que o governo saiba quem está usando a terra e o quanto de floresta deveria ter. Os bancos agora requerem que os candidatos a empréstimos para produzir tenham o CAR; as companhias de carne bovina somente comprarão de fazendas com CAR. No Pará, o número de propriedades com CAR aumentou de 600 em 2009 para 80.000.
O desmatamento no Pará quase chegou a um impasse. Na Amazônia brasileira como um todo, esse caiu de 28.000 quilômetros quadrados em 2005 para menos de 5.000 quilômetros quadrados no ano passado. Apesar de os pequenos produtores continuarem desmantando terras em áreas onde a autoridade do Estado é fraca, as grandes companhias de carne bovina e de soja que costumavam fazer isso ou comprar produtos de quem fazia isso não estão mais querendo negociar com eles.
O sucesso do Brasil, até agora, demonstra quantos elementos precisam se unir para fazer com que esse tipo de política funcione. Você precisa de uma direção clara, não somente no topo, mas em todo o caminho do governo. A determinação de Lula foi crucial, mas se sua visão não tivesse tido o apoio de Jatene, Avelino e Demachki, ela não teria ido tão longe. Você precisa de administradores com imaginação suficiente para encontrar soluções novas: o CAR foi a maneira de contornar o problema aparentemente insuperável da posse de terras.
Você precisa de uma força de polícia: se o Ibama não tivesse sido efetivo, as intenções dos políticos e dos promotores teriam sido impossíveis de serem implementadas. Você precisa de empresários cuja consciência ou preço da ação os induza a mudar suas cadeias de fornecimento. Você precisa de ONGs, como o Greenpeace e o Imazon, para atormentar os negócios e o governo para fazer as coisas de forma diferente. Você precisa da mídia independente para pegar a história e seguir com ela. E, fundamentalmente, você precisa de um público que se importe: se os eleitores e os consumidores fossem indiferentes, nada disso teria acontecido.
A ajuda de estrangeiros, especialmente americanos, foi importante também – embora, considerando a sensibilidade dos brasileiros à interferência dos estrangeiros, alguns deles se mantiveram em silêncio sobre isso. Verissimo, do Imazon, foi inspirado por Chris Uhl, um ecologista americano que trabalhou no Pará nos anos 80, que agora é professor na Penn State.
O Imazon foi fundado com subsídios do USAID e do MacArthur Foundation. A Ford Foundation financiou o projeto de floresta sustentável em Paragominas. A NASA forneceu os dados de satélite que o Imazon publica. O Google construiu uma plataforma que permite que o Imazon processe os dados mais rapidamente e de forma mais barata e o Imazon agora está treinando pessoas de outros países para usar isso. O projeto de fragmentos florestais de Lovejoy foi executado durante 30 anos, trazendo uma corrente de pesquisadores estrangeiros, empregando cientistas brasileiros e mostrando as consequências de cortar a floresta em pequenos pedaços.
A campanha internacional do Greenpeace contra a soja, a carne bovina e o couro do Brasil pressionou os negócios globais, como Walmart, Carrefour e Nike, e isso pressionou as companhias brasileiras. Então, apesar de a globalização ter exacerbado o desmatamento, aumentando a demanda por produtos brasileiros, também foi parte da solução.
Porém, o problema ainda não está resolvido de uma vez por todas. As taxas de desmatamento podem se recuperar. Se os moradores locais puderem prosperar sem derrubar árvores, há uma boa chance de que o resto da floresta sobreviva. Se não puderem, não há.
A migração deverá ajudar. Atualmente, ela migra para longe da Amazônia, e não em direção a ela. O Brasil está se urbanizando rapidamente e os atrativos de se criar gado vacas em terras desmatadas estão diminuindo.
Ainda, existem muitas pessoas que ficaram no campo e parar o desmatamento significa destruir empregos. Em Paragominas, somente 14 das 240 serrarias da cidade ainda estão funcionando, e a indústria de carvão vegetal fechou. No entanto, depois de uma breve recessão, a cidade está indo muito bem. Uma razão está em evidência na prefeitura, onde cerca de 50 vaqueiros com chapéus de cowboy e bonés de beisebol ouvem extasiados a apresentação sobre a interação humana-bovina. “Controle pelo entendimento do comportamento animal, não pela agressão”, diz o slide. “O sofrimento no animal representa perda de qualidade na carne”, diz outro.
O curso é parte do Projeto Pecuária Verde, executado por Lucio, em sua capacidade como chefe do braço local da união de produtores. Melhor bem-estar animal é um subproduto: o principal objetivo da iniciativa é aumentar a produção, de forma que os produtores possam prosperar sem desmatar mais terras. A fazenda de Lúcio mostra que isso pode ser feito. A produção média para a região, disse ele, é de 90 quilos de carne bovina por hectare por ano; sua média é de 500 quilos e sua margem de lucro é de 40%. Além de vacas felizes, seus segredos são suplementos dietéticos na alimentação de seus animais, fertilizantes para seus pastos, permitindo que os mesmos se regenerem depois de 48 dias de pastoreio e plantação de bosques em seus campos para proteger seu gado do calor.
A combinação de melhor educação e químicos significa que produtores como Lucio podem prosperar sem destruir a floresta. Esse é um progresso do qual todas as espécies podem se beneficiar.
Fonte: The Economist