RAÍZES DE UM POVO
A civilização é sinônimo de conquistas. Na interioridade humana, podemos dizer que o processo civilizatório se dá pelo estabelecimento de um Ego que exerça a função mediadora entre nosso mundo interno, instintivo, sem freios, que tudo quer aqui e agora e o ambiente que nos cerca, com limites e imposições. Assim sendo, o nosso Ego, se bem construído, busca satisfazer nossas pulsões sem agredir o meio, assim como diligencia mudá-lo, quando o mesmo se torna restritivo, opressor.
No plano objetivo, externo, a civilização se fez a partir do domínio sobre o fogo e os metais, ou seja, o cobre, o bronze e o ferro. A partir desses passos gigantescos, o homem efetivou o seu domínio sobre o mundo natural, deixando de ser apenas mais um mamífero caçador-coletor na face da Terra.
Emergimos de uma natureza em que impera a competição selvagem, no reino da biodiversidade: afinal, quem não sabe que debaixo de uma grande árvore só nasce guanxuma? Tal origem, fatalmente presente em nossa memória celular, talvez tenha pesado para que a história humana fosse marcada pela competição, conquistas e domínio dentro dos grupos, entre os grupos e entre as sociedades.
A partir de um dado momento dessa história, um elemento da natureza, domesticado pelo homem emergiu como um grande companheiro em suas conquistas: o cavalo. Em quaisquer civilizações, lá está o cavalo, na paz e na guerra, na preservação e na conquista, ao lado do homem. Assim foi entre os antigos egípcios, persas, gregos e troianos, cartagineses e romanos, apaches e guaicurús, não havendo epopéia humana sem os rastros da cavalaria. Assim se deu também em Mato Grosso do Sul, sendo o que explica a afeição e respeito que nossos pioneiros tem para com o cavalo.
Faz parte da história de nosso Estado, que o efetivo domínio brasileiro sobre esta região tenha se dado após a chamada Guerra do Paraguai, que dessangrou povos irmãos. Nela, destacou-se uma aguerrida cavalaria riograndense que, por anos a fio, defrontou-se com a destemida tropa paraguaia. Nas lides de guerra, os guascas centauros (ser mitológico, metade homem, metade cavalo), conheceram e se encantaram com a região, a Vacaria, permeada de extensas pastagens naturais e povoada por vasto rebanho de “gado bagual”. Muitos, voltando aos seus pagos apenas para dispor de suas traias e buscar suas famílias, para este nosso Sul retornaram, de armas e bagagens, se estabelecendo nas terras sem dono e garantindo as novas fronteiras.
Um desses capitães de guerra, que lutara anos a fio num portentoso cavalo, volta com a montaria à sua querência. Porém o animal, estropiado pelos anos de guerra e pelas longas viagens, morre ao fim da marcha de retorno. Aqui chegando, o guerreiro guasca (gaúcho da fronteira) requer as terras da Coroa e funda sua posse, que nomeia “Fazenda 94”.
Era 94, caro leitor, a marca do Império, a ferro, que o brioso cavalo de guerra trazia na paleta e que, assim, teve sua memória perpetuada pelo guerreiro reconhecido.
Estas são as raízes de um povo orgulhoso de sua história e de seu papel no estabelecimento e defesa destas fronteiras brasileiras e que, hoje, está sendo tratado por herdeiros de uma ideologia fracassada, burocratas desenraizados, arrivistas e organizações internacionais financiadoras de invasões, como reles “ladrão de terras de índios”, esses nossos irmãos para com os quais toda a Nação está em dívida.
Tal dívida, que é de toda nossa sociedade, não deverá ser paga com 30 moedas infamantes, jogando-se lama ideológica em nossa história e, nem tão pouco, promovendo-se injustiças e abusos contra aqueles que, com dignidade, cumprem a determinação bíblica: “com o suor de teu rosto, comerás o teu pão”.
Valfrido M. Chaves
Psicanalista, Pós Graduado em Política e Estratégia Adesg/Ucdb