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NOVOS ÍNDIOS

/ DIVERSOS

A formação do Brasil contemporâneo, constituído como um “caldeirão de raças”, ocorreu a partir do contato dissolvente entre mundos completamente distintos e antagônicos. O conflito entre a civilização e a selvageria,mediado pelo português e pelo indígena, resultou na construção de um “povo novo”, o povo brasileiro, cuja singularidade histórica surgia da renúncia da identidade de cada um de seus fundadores – português, índio e negro – em prol de uma cultura mestiça, maleável, morna, propensa a assimilar e a transigir.

Esta mistura – este “moinho de gente” – teve como força propulsora a fúria do projeto colonial, que esmagou física e culturalmente as populações autóctones, fragmentadas em centenas de etnias e nações pré-colombianas. Estes grupos humanos, outrora culturalmente coesos, tiveram sua identidade dilacerada pelo contraste inevitável entre sua vida neolítica e a superioridade material do europeu.

Aos olhos do curumim, que cultivava o brio do guerreiro selvagem, a vida prosaica da tribo havia se convertido em inelutável vergonha: a pedra polida, o pote de barro e a choupana de palha logo tornaram-se, para ele, uma caricatura diante do machado, da panela de ferro e da arquitetura europeia. O horror à condição silvícola e à sua própria identidade seria o motor de sua destruição como povo.

Sedimentadas as fronteiras do projeto colonial, séculos depois, restaram agrupamentos populacionais em diferentes condições culturais e de integração com a sociedade brasileira. De um lado, em pouquíssima quantidade, tribos isoladas na “Amazônia profunda”, que nos fornecem senão poucas imagens episódicas capturadas pela sorte de algum fotógrafo que os sobrevoa na imensidão verde.

Em maior quantidade, também vigoram tribos contatadas que preservam a condição silvícola, muito embora estejam em pleno processo de assimilação cultural e na ambivalência entre destribalizar-se por completo ou buscar, de alguma forma desesperada, um cada vez mais difícil isolamento (efêmero) que os salve.

Por último, e mais importante, são as etnias já plenamente assimiladas, destribalizadas, mestiças, cristãs, localizadas em eixos com forte vocação econômica, geograficamente próximas as cidades e à vida social brasileira. Falando o português com fluência, sem vestígios de qualquer sotaque, professando uma fé de valores ocidentais, a geração nascida após a década de 1990 – e que hoje é majoritária nestes grupos – pretende uma inclusão definitiva na sociedade que os rodeia – que se ainda não é exatamente a sua, encontra-se a apenas um passo de distância, separadas mais pela barreira da pobreza do que a da diferenciação cultural.

Ao novo índio, volver ao passado ancestral, abdicar da promessa de ascensão social, dos bens de consumo, da eletricidade, do banho quente, da geladeira e do fogão, da casa de alvenaria, é simplesmente impossível – implicaria negar que ele próprio deseja culturalmente ser um brasileiro índio, mais do que um índio brasileiro.Se antes havia o contraste da pedra polida com o machado – já suficiente para deflagrar um conflito autofágico na identidade dos índios –, hoje vigora o abismo entre o isolamento da selva e a vida mundialmente conectada das redes sociais. Não se pode fazer voltar a roda da história...

Os novos índios são – e devem ser assim compreendidos – minorias constituintes do povo brasileiro, e tal como centenas de povos ao redor do mundo, falantes de dialetos, línguas minoritárias, com características culturais e étnicas precisas, podem coexistir pacificamente com sociedades majoritárias e em Estados plurinacionais que os circundam.A agenda de políticas públicas para este grupo, em contraposição ao discurso dominante e teoricamente equivocado que o Estado brasileiro, sob a égide da FUNAI, costuma professar, deve centrar-se na integração, na capacitação pela via educacional, nas ações afirmativas, no “empowerment”, na construção de uma auto-estima que se consolida pelo sucesso pessoal, familiar, profissional e financeiro destas populações. Aos índios isolados o isolamento, aos integrados a integração.

Nada mais equivocado, obtuso, ou simplesmente ilegal que promover, pelas mãos do Estado, o conflito de terras entre índios e não-índios, numa fábrica de conflitos que busca solucionar o problema errado da forma errada. Seria a solução segregar e isolar, num imenso esforço de despovoamento de áreas já habitadas por não-índios, algumas centenas de brasileiros índios em bolsões rurais de pobreza para pretensamente forjar o conforto psicológico de uma barreira física contra diversidades culturais? Este conforto psicológico deve vir pela entrada soberana e integrada dos novos índios na sociedade brasileira como uma minoria respeitada e valorizada, não na forma do gueto.

O Mato Grosso do Sul, talvez mais do que qualquer outro Estado da federação, vive diuturnamente as consequências deste problema. O governo federal promete, a cada prazo descumprido entre as partes conflagradas, comprar terras para os indígenas para mitigar o conflito e evitar a proliferação de mortes no campo. Ainda que o faça, voltando atrás em sua política inconstitucional de expropriação e confisco, nada mais faz do que tapar o sol com a peneira: erra no diagnóstico e em sua solução. Pena, podia ser diferente.

(*) Pedro Pedrossian Neto, 32, economista e empresário, é mestre e professor de economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

FONTE CAMPO GRANDE NEWS