Projeto de Kátia Abreu suspende demarcações
Sob pressão de setores do agronegócio, críticos do que consideram seu "adesismo" à gestão da presidente Dilma Rousseff, a presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (PSD-TO), apresentou projeto de lei determinando suspensão temporária de processos demarcatórios de terras indígenas envolvendo propriedades invadidas e cobrou providências do governo para conter as invasões de propriedades rurais produtivas por índios.
Segundo a senadora, os produtores rurais "não aguentam mais a insegurança jurídica no país, especialmente com relação à questão indígena". Kátia recorre aos números do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, para mostrar a importância do agronegócio. "Com muito pouco incentivo do governo, triplicamos os ganhos econômicos, com crescimento de 14%, ao contrário de outros setores atrasados, que ganham o triplo do que ganham os produtores rurais e produzem um PIB de 0,6%."
O projeto que visa coibir as invasões de terras por índios foi protocolado no Senado na semana passada, mas, para evitar o risco de vetos, a senadora está colhendo assinaturas para transformá-lo em Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Se aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, uma PEC é promulgada sem precisar ser submetida à sanção presidencial
Ao mesmo tempo, Kátia Abreu tenta articular com os líderes partidários uma tramitação célere do projeto ou, se conseguir as 27 assinaturas, da PEC.
A senadora lembra que, no governo Fernando Henrique Cardoso, uma medida provisória foi editada determinando que terra invadida não poderia ser desapropriada para reforma agrária. Isso, segundo Kátia, teve forte efeito para conter as invasões pelo MST.
A presidente da CNA apresentou alguns números que revelam a gravidade da situação: haveria, no país, 190 conflitos de invasões, sendo 67 fazendas invadidas somente no Mato Grosso do Sul - que representam uma área de três milhões de hectares.
"No Mato Grosso, a pretensão da Funai é de 3,8 milhões de hectares. São 25 áreas em estudo. No Rio Grande do Sul, mais de quatro mil produtores rurais com documentos de 1800, estão sendo despejados. No Rio Grande do Sul, Maranhão, Amazonas, São Paulo, Santa Catarina e Paraná não há mais quem aguente", discursou.
Kátia citou o agravamento do problema com a suspensão, pela Justiça, de liminares de ações de reintegração de posse em favor de proprietários rurais, que haviam sido concedidas. É o que aconteceu na Bahia, por exemplo, onde nove liminares foram suspensas, envolvendo áreas que estão sendo palco de conflitos há cerca de um mês.
A suspensão das liminares, segundo Kátia, estimula os indígenas a permanecer nas fazendas ocupadas. Seriam 80 propriedades de pequenos produtores, totalizando 47 mil hectares invadidos.
Para a senadora, há movimentos "insuflados" pelo Cimi e pela Funai em todo o país, para desestabilizar o agronegócio. "Só não vê quem não quer. Primeiro, foi o PST. Depois, o Código Florestal. Depois, o decreto quilombola. Agora é a questão indígena, que nunca foi problema tão forte assim no Brasil, quando os índios pleiteavam áreas na Amazônia".
Para Kátia, há organismos internacionais "por trás" do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), financiando as ações, já que os índios não dispõem de recursos para isso.
O diretor de Proteção Territorial da Funai, Aluísio Azanha, nega que o órgão estimule ocupação de propriedades por indígenas ou exerça pressão sobre juízes, para que suspendam liminares de reintegração de posse. Diz, ainda, que a defesa judicial da demarcação só é feita "quando há elementos objetivos de que se trata de uma terra tradicionalmente ocupada".
Segundo Azanha, o projeto de lei proposto pela senadora Kátia Abreu (PSD-TO), que suspende temporariamente processos demarcatórios de terras indígenas em propriedades invadidas, é considerado "inconstitucional" pela área jurídica do órgão e, se for aprovado, poderá acirrar os conflitos fundiários.
"Além de ser um projeto inconstitucional, também não contribui para o distensionamento dos conflitos fundiários. Contribui para a paralisação dos processos administrativos, e, consequentemente, para a continuidade e o acirramentos dos conflitos fundiários", afirmou o diretor da Funai ao Valor. Argumenta ainda que a demarcação de terras indígenas é uma "obrigação constitucional" da União e, como tal, não poderia ser sustada por um projeto de lei.
Azanha explicou que cerca de 97% das demarcações de terras indígenas foram realizadas em áreas despovoadas da Amazônia Legal, nas décadas de 1980 e 90. Permanece, segundo ele, "um passivo" em relação à demarcação de terras indígenas nas regiões Norte, Sul e Sudeste, onde existe "uma grande população indígena" sem terras demarcadas. Na década de 2000, a Funai começou a intensificar a demarcação nessas regiões e no Mato Grosso do Sul, onde há ocupação humana mais "consolidada".
"No Sudeste, há quase 100 mil indígenas, no Sul, cerca de 78 mil, no Nordeste, 232 mil indígenas, 100 mil do Centro-Oeste [que pega parte da Amazônia legal] e no Norte, 342 mil. Ou seja, dos nossos procedimentos, o grosso está na Amazônia Legal, mas tem uma população indígena gigante que não tem terras demarcadas ", disse.
Após esclarecer que o que a senadora chama de "invasão" ele considera "ocupação", Azanha explica que esse tipo de ação não é estimulada pela Funai, cuja atribuição é reconhecer direitos, a partir de critérios técnicos e um procedimento administrativo "longo e complexo, porque a consequência dele é a nulidade de um título, seja ele de cem ou cinco anos".
"Todo processo administrativo conduzido pela Funai tem uma natureza meramente declaratória.(...) A gente faz a defesa judicial, via Advocacia-Geral da União, quando há elementos objetivos de que se trata de uma terra tradicionalmente ocupada", afirma. O Judiciário não dá uma decisão de permanência na posse desprovido de elementos objetivos", diz.
O diretor da Funai lembra que o órgão também perde na Justiça. Há, segundo ele, 26 processos administrativos paralisados por ordem judicial. Na opinião de Azanha, se os processos fossem "mais rápidos e eficientes, sem judicialização", haveria menos conflitos.
Procurado pelo Valor, o secretário-executivo do Cimi, Cleber Buzatto limitou-se a enviar a seguinte mensagem: "Os povos indígenas são sujeitos de suas histórias pessoais e coletivas. O latifúndio, o agronegócio e os ruralistas são os sujeitos que efetivamente estão a serviço dos "interesses internacionais" no Brasil".
Fonte: Valor Online